Paineis da discórdia
Segundo a Secretaria, cinco dos painéis pintados no Caic Unesco ridicularizam os poderes de Estado |
Era para ser apenas uma ação usando a arte contra o
vandalismo. Acabou se transformando em uma confusão que opõe a comunidade
escolar de São Sebastião à Secretaria de Educação do DF e traz à lembrança
tempos pré-democráticos.
Em agosto do ano passado, o Conselho Escolar do Caic Unesco
aprovou que o Instituto Metamorfose - que reúne artistas da cidade em torno do
pintor Carlos Metamorfose - pintasse os 462 metros de muro que cercam a unidade
educacional.
O trabalho começou a ser feito em outubro e não trouxe
custos à administração pública. “Eles pintaram com tintas doadas pelos comerciantes
da cidade”, afirma a diretora do Caic Unesco, Heloísa Regina Lago de Moraes.
“Os muros estavam pichados, achamos que seria bom recuperá-los
pela arte.”
O problema é que cinco entre os 102 painéis pintados pelos
artistas incomodaram as autoridades. “Quando o painel do Congresso foi terminado
comecei a receber pressão da Regional de Ensino para apagá-lo”, conta a diretora.
Localizado no muro da Escola Classe Dom Bosco, que fica dentro do terreno do CAIC,
o painel mostra uma interpretação nada lisonjeira do trabalho do Congresso Nacional.
A diretora não apagou e os artistas continuaram pintando. Em
8 de dezembro, o Instituto Metamorfose fez uma festa com a comunidade para
comemorar o fim dos trabalhos.
Desde então, as pressões sobre a diretora da escola aumentaram.
Heloísa afirma que chegou a receber duas ligações do próprio secretário de
Educação, Denilson Bento, exigindo que os painéis com críticas sociais fossem
apagados.
Em 23 de março deste ano, a diretora recebeu um comunicado
da Secretaria de Educação avisando que ela teria que responder a uma sindicância
por causa dos painéis.
Em nota enviada ao Metro, a Secretaria de Educação afirma
que a sidicância vai apurar o “contexto e a legalidade das pinturas”.
A nota diz que o GDF apoia a arte de rua e o grafite, mas
considera que “cinco dos painéis pintados no Caic Unesco ridicularizam os poderes
de Estado e denota (sic) desprezo à educação fornecida pelo GDF, ultrapassandos
os limites da razoabilidade”.
O resultado da sindicância será divulgado em 15 dias. A
deputada federal Erika Kokay se solidarizou com a diretora e fez uma
manifestação ao Ministério Público contra a Secretaria de Educação.
“A censura aos painéis do Caic de São Sebastião fere de
morte qualquer processo educativo.”
ERIKA KOKAY, DEPUTADA FEDERAL /PT-DF
“Em 23 anos de Fundação Educacional, nunca vivi perseguição deste
tipo.”
HELOÍSA REGINA, DIRETORA DA ESCOLA
“A manifestação da arte e do pensamento não pode
desqualificar outros direitos.”
Perigosa postura autoritária
A posição oficial da Secretaria de Educação do DF sobre
algumas das imagens pintadas nos muros do Caic Unesco, em São Sebastião, é
perturbadora. Para justificar a censura a cinco painéis do conjunto, justamente
os que carregam alguma conotação crítica, a secretaria assinalou, em nota
enviada ao Metro: “O GDF garante a valorização de todas as formas artísticas e
culturais que engrandecem a juventude, a capital do país e o Estado
brasileiro”.
Vendo as imagens, qualquer um pode criticá-las, evidentemente.
A mim, por exemplo, algumas ressoam com um certo mau gosto pueril e com uma
triste e generalizante demonização da política. Daí a um órgão do Estado exigir
a remoção do conteúdo com a justificativa de que só assegura a valorização do
que ‘engrandece a juventude, a capital do país e o Estado’ vai uma enorme
distância.
Tamanha distância que se aproxima perigosamente de uma
atitude fascista: ou o Estado é ‘engrandecido’ ou apaga-se a crítica. Se o
resultado foi considerado ruim, por que não aproveitar a chance para discuti-lo
abertamente, aprimorando o senso crítico dos estudantes, no lugar de anulá-lo?
Link para as fotos dos paineis do Caic Unesco: Clique aqui
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