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Talento de São Sebastião na sapatilha



Força, foco e fé. Qualquer treinador, seja esportivo, seja acadêmico, costuma pedir que os alunos tentem cultivar essas características. Entretanto, às vezes, isso não é suficiente. Acostumado a ensaiar até seis horas por dia, o bailarino Rafael Souza Rodrigues, 18 anos, tem todos esses atributos: é talentoso e esforçado, não mede sacrifícios para viver da dança. Ele foi selecionado, em 2013 e 2014, para participar de um prestigiado curso de verão nos Estados Unidos, na American Academy of Ballet — mas não teve dinheiro para viajar. Agora, novamente aprovado para estudar no exterior, Rafael tem até 10 de fevereiro para depositar US$ 500 na conta da National Ballet Academy, em Denver, também nos Estados Unidos, e reservar a vaga. Será necessário, ainda, desembolsar US$ 7 mil referentes à hospedagem na academia.

O programa em que foi selecionado é promissor. Se for feito com dedicação, rende possibilidades reais de contratação. “É uma profissão muito efêmera. Quando você se muda, a realidade é outra. Se ele for, poderá viver com conforto, realizar trabalhos importantes e ajudar a família”, explicou a coreógrafa Regina Corvello, instrutora do jovem no Colégio Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no Lago Sul. Mas quase nada é pago pela National Ballet Academy. Para passar um ano aperfeiçoando as técnicas, será necessário pagar aluguel de 7 mil dólares. “Não tenho condições e, por isso, peço que as pessoas me ajudem. Se der certo, vou trazer muito conhecimento. Quero aproveitar essa oportunidade, mas, sozinho, não dá.”, garantiu.

As passagens de avião foram presente de uma das professoras de Rafael, docente da Escola Classe do Lago Sul, onde o rapaz cursa o 3ª ano. Ela ficou sensibilizada com a história e a garra do aluno. Para comer, será necessário desembolsar US$ 40 por semana. “O dinheiro está sendo amealhado. Há pouco tempo, o Rafa fez um trabalho e recebeu R$ 500. Vamos trocar por moeda americana, juntar e destinar à alimentação dele”, explica Regina. Ela própria custeia o transporte de Rafael. São R$ 5 às segundas, às quartas e às sextas, e R$ 12 aos fins de semana. “Fico feliz porque as pessoas daqui me acolhem. Homem que dança balé sofre preconceito”, diz o jovem.




Para romper a barreira do idioma, Regina pediu à filha Nathália, que é tradutora, para dar aulas de inglês para Rafael. Mas o jovem, empolgado com a oportunidade de viajar e melhorar de vida, nem pensa nos problemas. “Vou me esforçar para aprender. Tenho força de vontade. Se não conseguir entender nada, fico amigo dos brasileiros. Deve ter outros lá.”

Morador de São Sebastião, Rafael diz que a região é marcada pela intolerância, e que a vida inteira sofreu discriminação. “As pessoas ainda resistem. Por isso, tinha vergonha de dizer que dançava. Um dia, resolvi participar do concurso de talentos da escola e mostrei a eles (os colegas) o que eu tinha de melhor. Hoje, as pessoas sabem e entendem.” Filho de uma cabeleireira, ele foi criado sem a presença do pai. “Eu tenho todo o apoio da minha mãe. Sempre soube que não tínhamos dinheiro, mas aprendi a ter perseverança.” 

A carreira de Rafael começou há pouco tempo. No início, encarava a dança como brincadeira. “Há mais ou menos quatro anos, minha prima me chamou para brincar na igreja que frequentávamos, em São Sebastião. Nesse dia, uma amiga da tia Regina (a coreógrafa) pediu para me ver dançar. Fui indicado por ela e comecei a dançar aqui.” O garoto, na época com 14 anos, fez um teste e passou. Agora, treina pelo menos três vezes por semana com Regina Corvello.

O bailarino acorda por volta das 7h e treina por três horas em casa. Depois, vai para a escola e, no fim do dia, pega um ônibus até o Colégio Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, onde permanece por mais quatro horas dançando. Nesses quatro anos, participou de audições em outros estados e em Brasília — sempre bem colocado. Nos pés, estão as marcas do esforço. “Às vezes, preciso colocar esparadrapos para não ficar muito machucado. Mas, na hora da dança, não sinto nenhuma dor. Só coisas boas.”

Memória
Um brasileiro no Bolshoi

Em 2010, uma reportagem do Correio contou a história de David Motta Soares. Com 13 anos à época, o garoto tinha sido aprovado para a estudar balé na Rússia, mas a família não tinha condições financeiras de bancar a viagem. Com a ajuda dos leitores, ele conseguiu o dinheiro necessário para pagar os custos do traslado, da hospedagem e da alimentação, e, assim, aprender as melhores técnicas de dança na Academia Bolshoi, tida como a mais importante do segmento no mundo. 

Na época, foi noticiado que ele era o primeiro brasileiro aceito naquela instituição. Cinco anos depois, o menino se tornará, no fim do ano, o único homem nascido no Brasil graduado no Bolshoi. Coincidentemente, David, assim como Rafael, foi aluno da coreógrafa Regina Corvello — responsável ainda hoje pelo custeio de alguns gastos que ele tem no exterior. Sem apoio do pai e da avó, ele contava apenas com a compreensão da mãe, uma lavadeira. Hoje, quase formado, recebeu um convite para trabalhar na Alemanha e não pretende voltar ao Brasil. 

Ajuda
Quem quiser colaborar com o projeto de Rafael pode entrar em contato pelo telefone 9535-8623.

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