Buriti e Câmara brigam por causa de derrubadas
Ocupação irregular à beira do Lago Paranoá pode ter data para acabar: governador garante que ação no local terá início na semana que vem |
O Governo do Distrito Federal e a Câmara Legislativa estão, mais uma vez, em lados opostos. Na visão da maioria dos deputados distritais, não importa se houve invasão de área pública ou crime de grilagem: depois de construída, a casa deve ser regularizada. O GDF, no entanto, está disposto a demolir todas as obras irregulares erguidas depois de julho de 2014, a exemplo do que ocorreu em Vicente Pires nas últimas semanas. O embate entre os poderes tem repercutido. No meio político, a pressão de parlamentares para tirar Bruna Pinheiro da diretoria da Agência de Fiscalização (Agefis) é grande. A arquiteta, contudo, recebe cada vez mais o apoio de pessoas contrárias às invasões.
Muito cobrado por ter derrubado casas em áreas carentes e de classe média, como no Sol Nascente e em Vicente Pires, e não ter agido em bairros nobres, o governador Rodrigo Rollemberg (PSB) anunciou, ontem, durante o programa CB.Poder, na TV Brasília, que a desobstrução da orla do Lago Paranoá vai começar na próxima semana. O socialista garante que seguirá dando poder à Agefis para as operações. Segundo pessoas ligadas ao chefe do Executivo, a ideia é ignorar as pressões — seja de parlamentares defensores de Vicente Pires, seja de poderosos proprietários de terrenos à beira do Lago.
Bancada da invasão
A reprovação à ação da Agefis teve tom elevado no plenário da Câmara. Com a presença de vários moradores de Vicente Pires na plateia, os deputados aproveitaram sessões da semana passada para agradar aos manifestantes. O deputado Bispo Renato Andrade (PR), por exemplo, disse que é “o governo do caos e da mentira”. Agaciel Maia (PTC) afirmou que os ocupantes do Buriti têm sido “burros” por não resolverem as regularizações dos condomínios. Rodrigo Delmasso (PTN) chegou a propor o fim da agência, que definiu como “corrupta e fascista”. Reginaldo Veras (PDT) recolheu a assinatura de colegas e protocolou uma indicação que pede ao GDF a suspensão das ações em Vicente Pires até que uma comissão seja formada para discutir o tema.
Demolições em Vicente Pires fizeram com que o assunto chegasse à CLDF |
O tema não ficou restrito ao plenário. Os deputados realizaram uma audiência pública para debater o assunto na última quinta-feira. Na ocasião, a artilharia se voltou contra Sandra Faraj (SD), apontada como responsável pela indicação de Bruna Pinheiro. A deputada, porém, não titubeou e fez igual aos colegas: pediu a exoneração da presidente da Agefis, fez críticas às ações da agência e arrancou aplausos da plateia. A parlamentar negou o apadrinhamento.
Apesar de ter assinado a proposta de Veras, o deputado Chico Vigilante (PT) garante que está fora do movimento político que pede a demissão de Bruna. Ele acredita, contudo, que muitas vezes a punição recai apenas sobre o comprador e deixa os grileiros impunes. Para isso, ele reuniu-se, ontem, com o presidente do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios, Getúlio de Moraes, e propôs a criação de varas especializadas em questões fundiárias no DF. “Elas existem em vários estados e agilizam processos dessa natureza, com juízes e técnicos especializados no tema. O presidente achou a ideia muito boa. Ele determinou prioridade nos estudos para ver as condições de viabilizar a criação das varas”, diz.
Alerta
Especialistas em ordenamento urbano elogiam o governo e questionam as intenções dos deputados. O geógrafo e professor emérito da UnB Aldo Paviani faz um alerta (leia Especialista fala): “Se formos permissivos com as invasões, quantos habitantes terá Brasília daqui a 10 anos?”, argumenta. Ele acredita que a Câmara não tem agido da forma correta: “A primeira obrigação de quem produz lei é respeitar lei. Eles não respeitam, querem que os grileiros se deem bem. Acho que os deputados não têm discernimento para saber o que se deve e o que não se deve apoiar”, opina.
Segundo o jornalista Gilberto Camargos, 51 anos, presidente da Associação de Moradores de Vicente Pires e Região (Amovipe), o pessoal que teve as casas derrubadas vai fazer de tudo para recuperar a moradia. “O governo cometeu o crime de invadir residências, quebrou móveis e até agrediram um cadeirante. Estamos preparados para matar ou morrer”, protesta.
Representantes da associação foram até o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) na última quinta para pedir investigação do caso. De acordo com o titular da 1ª Promotoria Criminal de Brasília, Mauro Faria de Lima, “há possibilidades de excessos terem ocorrido” na ação da Agefis.
“Como vamos tratar como criminosos aqueles que estão fazendo o mesmo que muitos fizeram nos últimos 20 anos? Quem não é especulador imobiliário no Distrito Federal? A própria Terracap é”, acusa. “Nossos líderes foram tão medíocres que não pensaram na expansão urbana”, critica. Para o promotor, os agentes do estado agiram “como vândalos cortando água e luz de quem tinha liminar judicial para ali permanecer”. A Justiça determinou a retomada dos serviços. E finaliza: “Deveria haver isonomia no tratamento e não derrubar nem em Vicente Pires nem na orla do Lago Paranoá.”
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