Preciosidades da nossa literatura
Essa é a nova coluna, que terá frequentemente um texto falando sobre os memoráveis escritores brasileiros. Os textos aqui publicados são de autoria de Francisco Nery, colaborador e parceiro na construção deste espaço. A todos, tenham uma boa leitura.
Lima Barreto foi um notável intelectual que se fez escritor e revitalizou a literatura brasileira do começo do século XX.
Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro em 13 de maio de 1881. Como poucos homens de sua condição e de seu tempo, teve a oportunidade de estudar em escola pública. Ingressou na Escola de Engenharia, a então Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Entretanto, o escritor logo se viu obrigado a abandoná-la muito antes de concluir os estudos para chefiar a família e incumbir-se dos cuidados do pai, o qual fora acometido por uma grave doença mental.
O autor de Recordações do escrivão Isaias Caminha (1909), Triste fim de Policarpo Quaresma (1915) e Vida e Morte de M.J Gonzaga e Sá (1919) – dentre muitos outros títulos e mais de cem contos catalogados – é considerado o romancista mais atuante e engajado com as causas políticas e sociais no período de transição literária que ficou conhecido como Pré-Modernismo (1902-1922).
Barreto colaborou por longo tempo na imprensa militante, e por ter cultivado de forma incisiva o humor crítico, é considerado um dos discípulos de Machado de Assis. Lima Barreto viveu e sofreu intensamente as transformações da realidade dolorosa que ora se impunha a ele e a uma legião de brasileiros do seu tempo.
Durante as duas primeiras décadas do ano de 1900, a Europa passava por profundas mudanças socioculturais e políticas, ocasionadas em especial pela propagação dos movimentos da vanguarda modernista, ao passo que a literatura brasileira ainda se mantinha presa aos estilos nascidos no século anterior: o parnasianismo e o simbolismo vigoravam na poesia, o realismo e o naturalismo, na prosa. Os ventos da modernidade não tardariam a soprar por aqui. O primeiro sinal de mudança manifestou-se quando alguns poucos escritores, como Graça Aranha (1868 -1931), Monteiro Lobato (1882 -1948), Euclides da Cunha (1866-1909), Augusto dos Anjos (1884-1914) e notadamente Afonso Henriques de Lima Barreto (1881-1922), cada um ao seu modo, problematizaram a realidade social e cultural brasileira, traçando em suas obras um vasto painel dos males de um país agrário e subdesenvolvido, o Brasil não-oficial.
Em virtude do seu preocupante estado de saúde, agravado principalmente pela bebida, pelo reumatismo e por outras complicações, o escritor foi acometido por um forte colapso cardíaco, vindo a falecer em 1º de novembro de 1922, fatalidade que coincide com o ano do advento da Semana de Arte Moderna em São Paulo. De vida literária curta, porém intensa, a sua obra foi de extrema importância ao trazer para a literatura a temática social conjugada, de alguma forma, à vida pessoal. Na sua História concisa da literatura brasileira, Alfredo Bosi (1996) assinala que:
A biografia de Lima Barreto explica o húmus ideológico da sua obra: a origem humilde, a cor, a vida penosa de jornalista pobre e de pobre amanuense, aliadas à viva consciência da própria situação social, motivaram aquele seu socialismo maximalista, tão emotivo nas raízes quanto penetrante nas análises.
Lima Barreto soube, com extrema habilidade e precisão, construir uma sátira de seu tempo, transpondo para o romance ou para o conto, muitos dos velhos e conhecidos problemas do Brasil, como a questão da indiferença, do preconceito, do nacionalismo puramente ornamental e vazio de sentimento patriótico, a depravação moral e política das elites, além das diferenças aberrantes existentes entre as classes que compunham a sociedade brasileira no alvorecer da República.
Enfim, foi um notável intelectual que se fez escritor e, lutando contra as forças e intempéries naturais que oprimem o homem no seu próprio meio, revitalizou a literatura brasileira, dando a ela uma nova roupagem, um novo caráter, uma nova missão, ao trazer para as páginas escritas a voz antes silenciada das camadas populares mais humildes. Para Achcar (1995), isso foi possível graças a uma forte empatia e militância do escritor com o mundo suburbano do Rio - a cidade na qual ele viveu, a cidade que nele vivia.
Vida Literária
Sob a direção de Francisco de Assis Barbosa, em colaboração com Antônio Houaiss e Manoel Cavalcante Proença, a obra barretiana foi publicada no ano de 1956 em dezessete volumes, incluindo as produções satíricas (Os Bruzundangas e Coisas do reino de Jambon); os romances (Numa e a Ninfa, Clara dos Anjos); artigos e crônicas (Feiras e mafuás, Impressões de leitura, Vida urbana, Bagatelas e Marginália) e os livros de memórias (O cemitério dos vivos e Diário íntimo). Foram publicados, ainda, dois volumes que constituem toda a sua correspondência - ativa e passiva - e uma coletânea de contos de caráter satírico, de crítica social e de costumes, com destaque para Congresso pamplanetário, O homem que sabia javanês, Nova Califórnia e O filho da Gabriela.
Obra-prima
Triste fim de Policarpo Quaresma (1915),constitui a obra-prima de Lima Barreto, reconhecimento que, na concepção do crítico Alfredo Bosi, se deve tanto ao acabamento formal quanto à rica presença de imagens da cena política e cultural do Brasil republicano, captadas de perto por um olhar crítico e atento. Publicado inicialmente em folhetins do Jornal do Comércio, em 1911, e cinco anos depois em formato de livro, o romance constrói um rico panorama histórico, político e social do país ao retratar o contexto pós-instauração do regime republicano, o governo ditatorial de Floriano Peixoto, o levante da armada e a política oligárquica.
De acordo com Francisco Achcar o livro está dividido basicamente em três partes: o retrato do personagem e o seu projeto cultural, o projeto agrícola, e o projeto político. O romance é narrado em terceira pessoa e conta a história do personagem-título, o Major Quaresma, um brasileiro de extremado patriotismo, inteiramente tomado de amores pelas riquezas naturais e culturais brasileiras. Um homem, cuja obsessão nacionalista o levou a comportamentos por vezes incompreensíveis, beirando o patético e a loucura. Funcionário da Secretaria da Guerra, ele era um cidadão no melhor sentido do termo, que levava uma vida simples e pacata, respeitado por tantos quanto o conheciam pela sua ética e caráter. Dedicara-se em vida ao estudo e ao engrandecimento de tudo que dizia respeito aos assuntos do Brasil.
Desde moço, ai pelos vinte anos, o amor da pátria tomou-o todo inteiro. Não fora o amor comum, palrador e vazio; fora um sentimento sério, grave e absorvente. Nada de ambições políticas ou administrativas; o que Quaresma pensou, ou melhor, o que o patriotismo o fez pensar, foi num conhecimento inteiro do Brasil, levando-o a meditações sobre os seus recursos, para depois então apontar os remédios, as medidas progressivas, com pleno conhecimento de causa. (BARRETO, 1915, p.5)
Por Francisco Nery
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