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Projeto de Telma Rufino segrega abrigos no DF

Givaldo costuma ir a pé ao centro onde dorme, o que não seria possível se o local fosse distante: ele sofre de uma doença que causa dores na coluna


O motorista Orisvaldo Oliveira, 55 anos, suspende a camiseta e mostra o curativo na região lombar, de onde foi retirado, em agosto, um tumor maligno. Uma vez por semana, o matogrossense caminha 1 km, durante 14 minutos, para trocar a bandagem, do centro de acolhimento Casa Santo André, onde está alojado, ao Hospital Regional do Gama. Mas, no que depender da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o acesso de frequentadores de abrigos a regiões centrais da cidade ficará mais difícil. Isso porque o Projeto de Lei n° 1.173, de 2016, prevê a construção de albergues distante de centros de ensino e áreas residenciais. Aqueles que descumprirem a norma terão, caso ela seja aprovada e sancionada, 180 dias para serem desativados.

A proposta tem como objetivo vetar a instalação de alojamentos de apoio técnico e social para mendigos, egressos de prisões ou de manicômios, adolescentes em conflito com a lei ou migrantes em perímetros urbanos e é de autoria de sete distritais, entre eles Telma Rufino (Pros) e a presidente afastada da casa, Celina Leão (PPS). As duas também propuseram emenda que prevê distância mínima de 10km entre os albergues e centros de ensino e áreas residenciais.  O texto foi aprovado em primeiro turno e deve ser votado novamente nesta semana. Em caso de novo parecer favorável, será apreciado pelo governador do DF, Rodrigo Rollemberg (PSB).

Orisvaldo desembarcou em Brasília em 9 de janeiro de 2015, vindo de Santiago do Norte (MT), localizado a 520 km da capital, Cuiabá, para tratar um câncer na coluna. A doença o havia impossibilitado de trabalhar. Sem moradia, ele viveu por seis semanas nas ruas do Plano Piloto, até ser abordado por uma equipe da Casa Santo André. Hospedou-se no centro, onde recebeu instruções de como recorrer à saúde pública para retirada do tumor. “Se não fosse a casa, eu estaria na rua. Aqui, até minha alimentação é diferenciada. Não como açúcar e gordura”, explica.

O lavrador sul-mato-grossense Givaldo de Souza, 58, também comemora os avanços adquiridos no abrigo. “Fui orientado a conseguir a aposentadoria, por invalidez, além do Passe Livre”, festeja. O último benefício concede gratuidade no transporte público do DF. Ele sofre com osteófitos, conhecidos popularmente como “bico de papagaio” — formações ósseas em forma de gancho que se desenvolvem em torno dos discos da coluna, o que causa dores e dificulta o movimento das pernas. “Na maioria das vezes vou ao local a pé, o que não seria possível se a casa de acolhimento ficasse isolada, distante do centro”, conta. Givaldo agora aguarda o recebimento de um cartão de crédito para voltar à terra Natal, Campo Grande, e “dar lugar a outra pessoa”.

Críticas

“O texto demonstra falta de conhecimento de parte da CLDF sobre política de população de rua. Deve-se melhorar demandas sociais em favor dos desabrigados, mas não segregá-los”, critica o presidente da Casa Santo André, Ribamar Moraes. O local funciona há 11 anos, por meio de convênio com o GDF — são quatro no total —, e hospeda 50 homens sem moradia, desempregados ou dependentes químicos. “Não se deve isolar todos os moradores de rua que frequentam os centros de acolhimento, porque existem aqueles que querem mudar de vida nesses locais, conseguir emprego, matrícula em escola”, afirma.

Ribamar sugere um debate mais amplo entre os deputados e a comunidade. “Quando criei a casa, enfrentei reclamações dos vizinhos, diziam que estávamos trazendo vagabundos. Mas reuni líderes comunitários e Polícia Militar, por exemplo, e chegamos a um consenso”, relembra. A Casa Santo André tem 110 funcionários e mantém 220 pessoas acolhidas em cinco unidades, três no Gama — uma delas apenas para mulheres e crianças — e duas em Sobradinho.

Autora do projeto de lei, a deputada Telma Rufino, do Partido Republicano da Ordem Social (Pros), explica que a proposta surgiu de reivindicações de moradores do Areal, onde funciona a Unidade de Acolhimento para Adultos e Famílias Areal (Unaf). A população local, segundo ela, relata casos de violência. “Os mendigos que ficam ao redor vão para o boteco ou cometem crimes. Houve caso de tentativa de estupro”, justifica. “O parlamentar que não gostar do projeto, que leve o albergue para a própria casa.”

O deputado Reginaldo Veras (PDT) também assina a autoria do projeto e ressalta a importância de redução do índice de criminalidade na região, mas critica a alteração na proposta. “O mais absurdo é prever que nenhum albergue ou casa análoga fique a menos de 10km de colégio e hospital. Há 196 escolas no DF, ou seja, em lugar nenhum isso seria geograficamente possível”, rebate.

Professora do Departamento de Serviço Social (SER) da Universidade de Brasília (UnB), a socióloga Camila Potyara salienta apenas fatores negativos do projeto. “Não há prós. A proposta caracteriza política higienista”, critica. “Políticas desse tipo não têm objetivo de reduzir desigualdades ou procurar solução de pobreza extrema da população de rua”, lamenta. Ela ressalta também a ineficácia dos albergues como fator de mudança significativa do quadro social dos acolhidos. “Albergue é paliativo, dá o mínimo de alternativa à população que não tem alternativa”, acrescenta a professora.

Camila destaca ainda a importância de se manterem centros de acolhimento em áreas urbanas. “Facilita a obtenção de emprego ou matrícula em escola, por exemplo, o que só se consegue se tiver endereço fixo”, exemplifica. “Os governos deveriam aliar os albergues a outras políticas, que facilitem o acesso ao mercado de trabalho formal e digno”, sugere.
Mestre em política social e professora de serviço social da Universidade Católica de Brasília (UCB), a assistente social Karina Figueiredo endossa o discurso. “Não se deve invisibilizar os moradores de rua pelo isolamento. Pelo contrário, deve-se aprimorar a inserção social”, ressalta. Ela recomenda a manutenção de pequenos centros de acolhimento na área urbana para encurtar o acesso a serviços básicos de saúde, educação e trabalho.

Albergues oferecem comida e permitem interação entre os atendidos

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