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Criação do reservatório Lago São Bartolomeu estava prevista nos anos 1970


O reservatório com 110 quilômetros de espelho d'água era previsto desde 1970, mas o projeto acabou arquivado devido, principalmente, à ocupação urbana irregular. O lago seria formado pela água do Rio São Bartolomeu e afluentes
Com mais de 110 quilômetros quadrados de espelho d’água, um segundo lago artificial era previsto para o Distrito Federal desde a inauguração da nova capital. A ideia era formá-lo com água vinda do Rio São Bartolomeu e dos afluentes Ribeirão Mestre d'Armas e Rio Pipiripau. Ele iria de Planaltina até São Sebastião, passando pelo Paranoá, mas foi inviabilizado, principalmente, pelas ocupações urbanas irregulares e pelo parcelamento de terra na região que seria alagada. Previsões da Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) dos anos 1980 estimavam a capacidade de produzir até 25 mil litros de água por segundo, número que, somado ao que era captado à época pelo Descoberto e pelo sistema Santa Maria/Torto, tornaria possível abastecer um DF com mais de 11 milhões de habitantes, que nunca passariam por uma crise hídrica. 
O Lago São Bartolomeu só foi completamente descartado nos anos 2000, quando a Agência Nacional das Águas (ANA) autorizou a utilização das águas do Lago Paranoá em uma obra definitiva, que deve custar R$ 465 milhões e atender 600 mil pessoas. Até lá, a possibilidade sempre foi motivo de debate. Em 1986, a Secretaria dos Serviços Públicos do Governo do Distrito Federal mostrou interesse em aplicar cerca de 150 milhões de dólares, algo em torno de 2 bilhões de Cruzeiros, para criar o lago. As manchetes do Correio à época se assemelham com as de 2017, destacando que os reservatórios da capital federal estavam em nível crítico. Segundo a secretaria, à época, a única solução para o futuro hídrico do DF seria a criação do segundo lago.

A barragem a ser construída teria 25 metros de altura e, além de conseguir abastecer cerca de 7 milhões de pessoas, a água do lago seria utilizada também para geração de energia, irrigação na área rural e melhoria do microclima da região. Até 1980, pelo menos 34 propriedades ficavam na área a ser alagada e, 10 anos depois, já eram cerca de 90 condomínios irregulares. Entre 1970 e 1993, novos mapas foram criados, principalmente para diminuir o perímetro da área de proteção do lago. 

A região a ser alagada ficava em um local de grandes fazendas, que eram propriedades de militares importantes da ditadura militar. Em 1981, por exemplo, a redução do perímetro a ser desapropriado beneficiou o general Danilo Venturini, chefe de gabinete do então presidente, João Figueiredo, que teve a propriedade retirada da área a ser desobstruída.

Em 1983, foi criada a Área de Proteção Ambiental (APA) do São Bartolomeu, mas só cinco anos depois, foi concluído o zoneamento ambiental. Porém, nem isso conseguiu impedir a ocupação desenfreada, que ocorreu, principalmente, na agrovila de São Sebastião, no Vale do Amanhecer, em Planaltina, e no Quintas da Alvorada e Jardim Botânico, no Lago Sul.

Planejado 
Um Distrito Federal muito diferente do atual era proposto nas décadas passadas. O plano era que a população crescesse em um eixo na parte sudeste do DF, indo de Ceilândia a Santa Maria, seguindo por cima das adutoras da Caesb que captavam água do Descoberto. “A região oeste seria ocupada pela população, enquanto a leste ficaria para plantações e a criação do reservatório de São Bartolomeu. Mas as ocupações que começaram nos anos 1970 ganharam força em 1986 e 1990, com o início das eleições do DF, impermeabilizando ainda mais a APA do São Bartolomeu”, conta Oscar Netto, professor do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília.

Se o segundo lago tivesse sido construído, o DF teria uma região administrativa chamada de Interlagos, situada entre os lagos Paranoá e o São Bartolomeu. A ideia era que o local, que abrigaria 11 condomínios, fosse o mais nobre da capital, devido às condições climáticas privilegiadas e ao contato com a natureza a poucos quilômetros do Plano Piloto. 

O plano de construir o Lago São Bartolomeu foi muitas vezes substituído pela captação do Paranoá, mas, segundo o ecossociólogo Eugênio Giovenardi, no fim dos anos 1990, o governo e a Caesb começavam a perceber que os córregos que abastecem o Lago Paranoá já não estavam mais tão volumosos, sem contar os problemas que seriam causados pela ocupação urbana que ocorreu na orla. “Nesse momento, o São Bartolomeu não era uma opção tão viável, pois já haviam sido formadas verdadeiras cidades na região. A partir daí, o governo começou a apostar na possibilidade do Corumbá IV, que é atualmente a principal saída para combater a crise hídrica”.

Salvação da crise
Especialistas divergem sobre a possibilidade de o São Bartolomeu ter impedido a crise hídrica pela qual o DF passa hoje. Eugênio Giovenardi acredita que a situação atual seria mais branda, mas, com maior oferta de água, o consumo também teria sido intensificado. “Acredito que, ao redor do novo lago, cresceria um grande mercado de agricultura irrigada para utilizar a água, que no fim das contas seria usada, principalmente, para a produção de soja”, opina. Já o professor Glauco Stéfano, do curso de arquitetura e urbanismo do Centro Universitário Iesb não tem dúvidas de que, se o novo reservatório tivesse sido construído, o DF não estaria passando por essa crise. “As cidades ao leste seriam abastecidas sem problemas, sobrando até água para o sudeste e nordeste do DF, que teriam os reservatórios desafogados”, explica.


O professor alerta ainda que o que faltou não foi apenas ação governamental para tirar o São Bartolomeu do papel, mas também conscientização da população em relação às invasões. “Hoje, vivemos os reflexos do que a grilagem de terra e a ocupação ilegal causam. Os malefícios não atingem apenas quem mora nessas regiões, mas toda a sociedade”, afirma. Para evitar que a situação continue ocorrendo, Glauco aconselha investir em conscientização. “É um problema que atinge todas as classes sociais, pois temos invasões tanto no Lago Sul quanto no Pôr do Sol. Fizemos algumas pesquisas com os moradores dessas regiões e eles nem consideram um problema ocupar essas áreas”. 

O professor Oscar Netto acredita que optar pela futura captação definitiva do Lago Paranoá foi uma melhor escolha. “A água do São Bartolomeu receberia esgoto tratado de Sobradinho e Planaltina, e a água mais pura seria a vinda do próprio Paranoá. Usar esse recurso, além de trazer mais custos no tratamento, também traria gastos para bombeá-la do norte do DF para as regiões do centro”. 

A visão atual da Caesb também é de que a melhor decisão foi tomada. “Foi uma alternativa estudada por mais de 30 anos, mas, conforme o tempo foi passando, se tornava cada vez mais inviável, pois a área alagada teve uma ocupação que cresceu, o que traria, além das obras de criação, um encarecimento para pagar a desapropriação dos terrenos”, afirma Stefan Muhlhofer, superintendente de Projetos da Caesb. 

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