Cobiça até nos cemitérios
Ao contrário de outras cidades, onde há enterros mais
baratos nos espaços públicos, no Distrito Federal as seis unidades têm
administração terceirizada e acumulam reclamações. Aqui, um sepultamento
simples pode custar até R$ 2 mil
Cemitério Campo da Esperança, na Asa Sul: preço dos jazigos vem atrelado a outros custos considerados essenciais para o sepultamento |
A terra no Distrito Federal é tão valiosa que até túmulo
provoca a exploração econômica abusiva. Um contrato assinado em 2001 entregou a
um grupo privado um negócio que mais uma vez mistura uso do solo com interesses
políticos, empresariais e sociais. Nesse caso, há um agravante: envolve a dor
de pessoas que perderam familiares e amigos. Na capital do país, onde cada
palmo de chão é alvo de disputa, não há cemitério público. As seis unidades do
DF (Brasília, Brazlândia, Taguatinga, Gama, Sobradinho e Planaltina) têm uma
administração terceirizada que acumulou reclamações nos últimos anos, desde o
preço, a conservação e a segurança dos jazigos, até a remoção indevida de restos
mortais.
As falhas foram apontadas durante Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI) da Câmara Legislativa que indicou sérias irregularidades na gestão dos
sepultamentos. Uma das principais queixas é o preço do jazigo perpétuo. Famílias
que nunca puderam ter um imóvel são obrigadas, por força das circunstâncias, a
comprar ou arrendar um túmulo quando perdem um ente. É uma situação diferente,
por exemplo, de cidades de São Paulo, de Minas Gerais ou do Rio de Janeiro,
onde há cemitérios municipais em que as famílias têm a possibilidade de fazer
enterros mais simples, pagando uma taxa ao poder público. Nessas regiões, há
também espaços particulares, mas é uma questão de opção.
Um jazigo de apenas uma gaveta com cessão perpétua no DF custa
R$ 1.102, o de duas, R$ 1.456, e o de três, R$ 1.797. O fato, no entanto, é que
o espaço vem casado com outros custos considerados essenciais na cerimônia de
sepultamento, o que pode elevar a despesa de um enterro simples a quase R$ 2
mil, segundo o dono de uma funerária ouvido pelo Correio. Nas cidades em que há
cemitérios públicos, a taxa não chega a 20% desse valor. Na capital da
República há os enterros sociais, mas dependem de uma autorização da Secretaria
de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda. O processo leva em conta a
apresentação de vários documentos que comprovem baixa renda. É um desgaste que,
segundo donos de funerárias, desencoraja mesmo os mais pobres, muitos dos quais
acabam se endividando para comprar ou arrendar um túmulo.
Desde 2007, os preços estão congelados, mas ainda são considerados
altos e, segundo o próprio Poder Público, ainda deixam a desejar. “Há pressão
grande da concessionária para reajuste no contrato, mas, no momento, buscamos
incessantemente o estrito cumprimento das obrigações, especialmente no que diz
respeito à conservação. Não há que se falar em aumento”, afirma Lamartine Medeiros,
coordenador de Assuntos Funerários da Secretaria de Justiça e Cidadania do DF.
Ingerência
A terceirização dos cemitérios no DF foi uma decisão
política. A empresa que administra os enterros, a Campo da Esperança Serviços
Ltda., venceu uma licitação em 2001 dentro de um consórcio do qual fazia parte
também a Dinâmica, empresa pertencente à família da deputada distrital Eliana
Pedrosa (PSD). O negócio entre eles foi desfeito após a assinatura do contrato,
o que se tornou objeto de contestação judicial pelo Ministério Público do
Distrito Federal e Territórios (MPDFT). A Campo da Esperança, no entanto, manteve
durante anos um forte respaldo político que nasceu na gestão de Joaquim Roriz
como governador do DF, entre 1999 e 2006.
Com a CPI dos Cemitérios, os abusos se tornaram um
escândalo, o que forçou a providência oficial e conteve parte das
irregularidades. Nessa época, o governo impôs a obrigatoriedade de uma tabela
de custos para as funerárias e a cobrança de providências de manutenção e de
conservação nos cemitérios, que tinham túmulos devassados, sujos, mato alto e
até ossadas aparentes. Mesmo com poderio enfraquecido, a concessionária
permanece à frente do negócio amarrado em um contrato de 30 anos renovável por igual
período, cuja multa de rescisão é alta e desvantajosa para os cofres públicos,
muito embora a própria CPI e o Tribunal de Contas do DF tenham recomendado o rompimento
do vínculo.
Hoje deputado federal pelo PDT, José Antônio Reguffe integrou
a CPI dos Cemitérios da Câmara Legislativa em 2008. Mantém críticas que fez à
época. “Brasília deveria ter um cemitério público administrado pelo Estado, inclusive
para jogar o preço para baixo”, defende Reguffe. “No momento em que a pessoa
está vivendo a maior dor, a perda de um familiar, é absolutamente revoltante
que tenha de pagar um preço abusivo para enterrar seu ente querido”, considera.
Venda de lote no céu
Na capital, a rotina de ocupação é tão popular que produziu uma
história inusitada. Não bastassem as promessas de lotes na terra mesmo, houve quem
oferecesse quinhão no céu. O missionário Doriel de Oliveira, fundador da
Catedral da Benção, onde todos os candidatos pedem votos em tempos de campanha
eleitoral, virou um personagem do DF por vender espaços no Além. A propriedade
que Doriel oferecia aos fiéis tinha uma característica especial, a da redenção
dos pecados. E, como os assuntos fundiários, sejam terrenos ou divinos, estão
sempre misturados com política, nesse caso não foi diferente. A popularidade de
Doriel alçou o filho Júnior Brunelli à política.
Em 2002, Brunelli foi eleito deputado distrital e reeleito
em 2006. Renunciou ao cargo, no entanto, em 2010, depois de ter se tornado
estrela nacional e até internacional da Operação Caixa de Pandora. Ele aparece em
vídeo como protagonista da famosa “oração da propina”, em que reza abraçado ao então
presidente da Câmara Legislativa, Leonardo Prudente, e a Durval Barbosa. O
primeiro ficou conhecido como deputado das meias, por embutir dinheiro de
corrupção nas roupas; o segundo foi o delator do esquema de corrupção da
Pandora. Dois anos antes do escândalo, Brunelli foi um dos integrantes da CPI
dos Cemitérios — era o vice-presidente da comissão. Sempre com uma Bíblia
debaixo do braço, o ex-distrital é hoje réu em ação de improbidade
administrativa e está com os bens bloqueados. Ele também é alvo da denúncia da
Procuradoria Geral da República.
Quando na função de deputado, Brunelli era um dos mais atuantes
em projetos de mudança de destinação de área para beneficiar igrejas. Foi ainda
um dos que mais apresentou emendas para favorecer eventos religiosos. Em maio
deste ano, ficou 10 dias preso em operação policial que apurou, com o
Ministério Público, desvios de dinheiro repassados por meio dessas emendas
parlamentares, intermediadas por Brunelli para a igreja do pai.
CEMITÉRIOS NO DF
6
Número de cemitérios terceirizados do DF
2.835.551 m2
Área destinada a enterros na capital federal,
o equivalente a 300 campos de futebol
R$ 1.102
Preço de um jazigo com cessão perpétua, mas o valor é acrescido de taxas
R$ 1.456
Preço de um jazigo com cessão perpétua de duas gavetas
R$ 1.797
Preço de um jazigo com cessão perpétua de três gavetas
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