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O avanço das invasões

Nos primeiros 10 meses do ano, houve pelo menos 4.914 tentativas de ocupação irregular em diversos pontos do Distrito Federal. O número é 115%maior em comparação com o mesmo período do ano passado

Em 2012, a CPI da Grilagem, uma explosiva investigação na Câmara Legislativa que chamou a atenção do país para um problema instalado em Brasília, completou 17 anos. Quase duas décadas se passaram e levantamento ao qual o Correio teve acesso demonstra que o crime permanece. Todos os dias, há alguém querendo se valer de uma terra que não é sua na capital da República. Estimulados pela cultura de ocupar para depois legalizar, grileiros atuam de forma constante no Distrito Federal. Até outubro deste ano, a cada 24 horas, pelo menos 16 construções ilegais foram erguidas em local alheio, muitas vezes terrenos públicos, pertencentes à coletividade.

Os dados são alarmantes. Nos primeiros 10 meses de 2012, houve pelo menos 4.914 tentativas de invasão e início de construção de casas ou de comércio. Ao todo, oito loteamentos irregulares foram contidos e 19 pessoas presas entre julho e outubro deste ano. Ocupações em área equivalente a 96 campos de futebol, com 1,3 mil lotes, foram impedidas de prosperar. A maior parte dos parcelamentos ilegais estavam em terras pública, sendo que 15% deles já haviam sido vendidos. A estimativa do governo é de que a comercialização dos terrenos movimentaria R$ 66 milhões.

A parte do DF mais cobiçada pelos grileiros fica em Ceilândia. Nos primeiros 10 meses do ano, o poder público derrubou 1.827 edificações no lugar. Essa região administrativa leva no nome missão totalmente contrária. Em 1971, data da inauguração, o local foi batizado como Centro de Erradicação de Invasões (CEI). Hoje, Ceilândia se tornou a maior cidade do DF (332.455 pessoas) e abriga também as duas maiores favelas da capital federal: Pôr do Sol e Sol Nascente, que somam mais de 120 mil moradores, todos vivendo de maneira precária. É mais gente do que em Barretos (SP), Porto Seguro (BA) ou Araruama (RJ).

Além de Ceilândia, São Sebastião e Sobradinho estão entre as áreas mais visadas, endereços que abrigam a maioria dos condomínios irregulares do DF. Em São Sebastião, houve 722 registros de construções irregulares, e, em Sobradinho, o número chegou a 719. O Condomínio Buganville, a 10km da Torre Digital, projeto de Oscar Niemeyer e novo ponto turístico de Brasília, foi alvo de uma operação de derrubadas ocorrida em julho. Cada terreno com 800 metros quadrados estava sendo vendido a R$ 60 mil. Regularizado, poderia passar de R$ 130 mil.
No Condomínio Tomahawk, no Lago Norte, também ocorreram seguidas tentativas de construção ilegal. A área passa por litígio sobre a propriedade na Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do DF. A sentença deve sair no começo de 2013.

Especulação
Na lista dos endereços preferidos pelos grileiros, aparece Itapoã, que mesmo em processo de
regularização continua a ser atacada por oportunistas. As investidas de invasores do DF em 2012 superam em 115% as identificadas entre janeiro e outubro de 2011. No mesmo período do ano passado, o governo impediu 2.287 ocupações ilegais — durante todo o ano, chegaram a 2.941. As operações do poder público local para conter as invasões também aumentaram em 60%.

O problema demanda tanto esforço oficial que foi criado um comitê de combate ao uso irregular do solo, coordenado pela Secretaria da Ordem Pública e Social (Seops). Os técnicos identificam como setores de maior cobiça justamente aqueles em que há processos de regularização em andamento, o que seria uma forma torta de se aproveitar da especulação imobiliária. “No Pôr do Sol e no Sol Nascente, originalmente destinados a chácaras e que foram parcelados irregularmente nos últimos anos, o governo vê a situação como consolidada, mas faz o controle de novas ocupações para assegurar espaços que possibilitem a instalação de equipamentos públicos e comunitários”, diz o major Carlos Chagas de Alencar, porta-voz da Seops.

Mas o poder público não conseguiu conter o surgimento de favelas. Hoje, existe uma urgência na preservação de áreas mínimas para construir estrutura básica de atendimento essencial, como centros de saúde, delegacia, escolas, Corpo de Bombeiros, praças, calçadas, rede de esgoto, drenagem pluvial e asfaltamento. Conter só não tem sido suficiente. O governo sabe que precisa organizar a bagunça que existe. O trabalho está a cargo de uma pasta específica, a Secretaria de Condomínios.

Escritura
Policial civil e titular do órgão até agosto deste ano, o deputado distrital Wellington Luiz (PPL) diz que a quantidade de loteamentos ilegais não para de crescer. “O último levantamento oficial demonstrava que havia 513 condomínios. Hoje, esse número ultrapassa 600, só do que o poder público tem conhecimento”, explica. Ele próprio é dono de três terrenos em parcelamentos irregulares. E a casa onde mora, no Park Way, não tem escritura. Uma ironia e a evidência de que o problema no Distrito Federal é generalizado. Como mostra a série “O poder da terra” iniciada na última terça-feira, 56,67% dos moradores da capital não têm escritura pública da casa em que vivem.

Wellington foi sucedido na Secretaria de Condomínios por Regina Maria Amaral, indicada pelo deputado distrital Agaciel Maia (PTC), ex-diretor geral do Senado e, agora, vice-presidente da Câmara Legislativa. Regina tem experiência no assunto. Foi assessora pessoal do ex-deputado distrital Pedro Passos, autor da lei local que permite a venda direta de lotes em condomínios constituídos em área pública, julgada inconstitucional em março de 2004 pelo Tribunal de Justiça do DF e Territórios.

Passos é um dos maiores clientes da Justiça quando o assunto é terras. Foi condenado por parcelamento irregular do solo e crime ambiental. Também foi um dos nomes mais citados no relatório final da CPI da Grilagem de 1995.

O Correio perguntou a um técnico da Companhia Imobiliária de Brasília ( Terracap) o número preciso de loteamentos irregulares existentes atualmente no DF. Com espontaneidade, ele deu a dimensão do problema: “Ontem ou hoje?”. É impossível congelar um dado que cresce todos os dias.

Crime
Consiste em falsificar escrituras de propriedade de terras para respaldar ocupações e promover loteamentos para a venda. O nome surgiu de uma técnica adotada para dar credibilidade ao documento de forma que passasse como um título antigo relacionado a fazendas supostamente compradas no início do século. Conta-se que o papel era colocado dentro de uma gaveta com grilos para ficar roído e amarelado devido aos excrementos.


CONSEQUÊNCIAS
Quem compra imóveis em área irregular está sujeito a:
» Inundações
» Desmoronamentos
» Deslizamentos
» Erosões
» Consumo de água intoxicada
» Falta de acesso a serviços públicos
» Perda do imóvel em ações do governo


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